No cúbiculo estreito onde a criança dorme no homem como um ser inóspito, duplas são as paredes e, na boca, uva de moscatel, açaime de aço. Dorme, criança, dorme. Não deixes ficar mal os que acreditam no mito da inocência. Dorme, e espera que os homens se aniquilem enquanto dormes. Reduz-te a imaginar como serão as flores, os insectos, as pedras, as estrelas, e tudo quanto é belo e se reflecte nos olhos das crianças. Imagina um luar que cresce e aquece e faz da tua carne flor de loiça, orquídea branca que o calor não cresta. Imagina, imagina. Mas, sobretudo, dorme. António Gedeão